Todo bom trabalho de pesquisa deve começar pelo básico: livros. Ler tudo o que já escreveram sobre seu tema é algo essencial, principalmente quando se trata de uma monografia. A bibliografia de uma pesquisa é a primeira parte que uma banca avaliadora ou um historiador vai olhar, além, claro, da metodologia aplicada no trabalho. Há alguns livros que são como mantra para determinados assuntos. Se você não utilizá-los, pode ter certeza que quem está avaliando seu trabalho o analisará com um pouco de desprezo. Eu não concordo muito com isto, mas nem sempre as regras da Academia são plausíveis para todos. Acredito que livros e obras são temporais, como toda a história da humanidade. O que é correto hoje, pode ser errado amanhã. O que é inovador pode se tornar obsoleto. Há muitos livros que não emplacaram, não venderam e não se tornaram “bibliografia obrigatória” por vários motivos e nem por isso podem ser desqualificados ou não utilizados como base fundamental de uma pesquisa.

Vejam o caso de Norbert Elias (1897 – 1990), um dos autores que estou utilizando para escrever a parte teórica da minha pesquisa. Elias era judeu em plena Alemanha nazista. Teve que se exilar na França e depois ir morar na Inglaterra, onde começou a sua produção na área da sociologia. Escreveu verdadeiros tratados sobre o comportamento humano, abrangendo temas renegados pela História e pela Sociologia como o sexo, a etiqueta, a violência, etc. Devido a circunstâncias históricas, Elias ficou durante um longo período como um autor marginal. Somente nos ano setenta é que uma nova geração de teóricos “ressuscitaram” seus trabalhos e começaram a enxergá-los com outros olhos. Hoje, Norbert Elias é considerado um dos mais influentes sociólogos de todos os tempos. Imaginem então, quantos autores e livros brilhantes não estão empoeirando nos fundos das bibliotecas por diversos motivos?

Como, infelizmente, tenho que “dançar conforme a regra”, incluí em minha bibliografia os livros clássicos sobre o tema de minha pesquisa. Para estudar a mística da realeza e as formas criadas pela monarquia para legitimar seu poder, me baseei em dois livros clássicos. O primeiro é “A Fabricação do Rei” do inglês Peter Burke, que narra como foi construída a imagem do “Rei Sol”, Luís XIV em pleno século XVII e  XVIII. Um bom livro para publicitários e marqueteiros pessoais. Podemos afirmar que as formas de “publicidade” das monarquias modernas são baseadas nas técnicas desenvolvidas ao extremo pelos ministros de Luis XIV, principalmente por Colbert.

O segundo livro base para minha pesquisa é “Os reis taumaturgos” do francês consagrado pela historiografia, Marc Bloch. Esta obra-prima de Bloch conta como surgiu e se perpetuou a crença de que os reis detinham o poder de cura de um determinado tipo de doença, apenas com o toque de suas mãos. Ele narra desde o possível surgimento dessa crença na Idade Média até os resquícios no início do século XX, quando o livro foi escrito. O que mais impressiona é a quantidade de documentos utilizados na pesquisa de Bloch.

Precisava ainda afunilar ainda mais sobre meu tema, afinal estou estudando a monarquia no Brasil. Para o embasamento necessário sobre o reinado de d. Pedro II e todo o aparato utilizado pela monarquia brasileira para criar uma imaginário quase místico sobre a figura do nosso Imperador, busquei dois livros daquela que é considerada hoje a maior especialista em Império no Brasil: Lilia Schwarcz. O primeiro livro foi “As barbas do Imperador”, livro que me inspirou a fazer essa pesquisa 9e muitas outras que estão por vir). Esse livro é fascinante, com uma linguagem acessível a todo tipo de leitor (historiador ou não) e uma vasta coleção de imagens que dão um charme a mais à obra. Na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2010 pude encontrar com a própria Lilia e agradecê-la pessoalmente pela obra, pedindo, claro, algumas dicas sobre minha pesquisa. Inesquecível!

Outro livro da mesma autora foi “O Império em procissão”, uma pequena obra, quase complemento do “As barbas do Imperador”, mas que foca exclusivamente nas festas oficiais e populares ocorridas durante o segundo Reinado e que eram utilizadas como forma de ora divinizar a figura do monarca, ora popularizá-lo. D. Pedro II tinha um extenso calendário de festas e cerimônias oficiais para participar, mas ainda arranjava tempo para descer de seu trono e caminhar junto com a população em uma procissão do Divino, por exemplo.

Quando pensei que minhas leituras estavam suficientemente realizadas, eis que me deparo com a necessidade de conhecer melhor o que foi produzido sobre a história de cada cidade do Vale do Paraíba, por onde d. Pedro II e a Princesa Isabel passaram. Afinal, se eu li sobre a construção da mística da realeza e as formas de legitimação do seu poder e depois sobre as formas que a monarquia brasileira encontrou de reforçar seu poder, não poderia deixar de conhecer como as populações e elites locais receberam esse “teatro do poder”, como se relacionaram e perceberam essa teatralização. Foi aí que fiz uma lista extensa de livros que relatam as passagens da Família Imperial pelas cidades de Caçapava, Taubaté, Tremembé, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Aparecida, Lorena, Cachoeira Paulista, Cruzeiro, Bananal e Areias, até eu descobrir mais alguma cidade por onde nosso monarca “dignou presentar com Vossa Augusta presença”.